ALMAS DO OUTRO MUNDO! O PERIGO DAS SUPERSTIÇÕES

Praxedes do Olympo
O Clarim (SP), n. 4, 6 de abril de 1924

Antigamente, costumava-se guardar defuntos, fazendo-lhes rezas durante toda a noite e prolongando-as até o sétimo dia.
Prestava-se aos mortos esse sagrado dever, em todas as cidades e lugarejos.

Quando falecia um pobre qualquer, tais homenagens de gratidão lhe eram prestadas. Agora, com o progresso, que, aos poucos, se vai estendendo à todos os pontos das cidades e lugarejos, pouca gente se utiliza desse ato de caridade e reverência, para com os nossos amigos e parentes, ou mesmo desconhecidos, que, deixando este mundo de misérias e ilusões, vão para outra vida, prestar contas ao Supremo!

Ainda hoje, apesar do grau de adiantamento, guardamos e cumprimos essa tradição.

Pois bem, dessas rezas antigas contam os entendidos inúmeros fatos.

Certa vez disseram no povoado de Samambaia que o Pedrinho, domador destemido e valente, falecera vitimado por um incidente, qual fosse um tombo por terra, motivo por que ficou sem fala, perdendo por muitas horas os sentidos.

Julgaram-no falecido.

Recolheram-no em casa de um seu amigo, onde fizeram todos os meios para ver se de fato falecera.

Chamaram um curandeiro; este asseverou que não mais existia o Pedrinho.

Deitaram-no, então, sobre uma mesa, circundada de velas; cruzaram-lhe as mãos sobre o peito, juntas a um velho crucifixo. Muita gente, veio de suas casas para fazer pernoite. O dono da casa, amigo da vítima, ordenou chamassem o rezador da vizinhança, que, somente à noite chegou.

Começaram as rezas próprias do momento. As horas foram se passando, até que perto das onze, muitos já encostados nos bancos, outros junto às paredes, não mais podiam resistir ao sono, apesar do bondoso rezador continuar a proferir suas rezas, firme no seu mandato.

O “orai por ele” ia se perdendo aos poucos.

De repente, Dona Chica, uma senhora idosa ali presente, observando que o defunto mexera uma das pernas, despediu-se dos seus conhecidos e saiu, em companhia de um netinho.

Daí há pouco o pseudo-defunto tentou levantar-se da mesa, provocando enorme espalhafato entre os circunstantes.

O rezador foi o primeiro a fugir! Mulheres, crianças e velhos saíram correndo, muitos caíram, outros nem sequer podiam correr, saiam quase engatinhando.

O pobre Pedrinho, vendo-se naquele estado, também se deitou a correr, e, passando pelas imediações de algumas casas, as portas e as janelas se fechavam e muita gente se persignava.

Cansado de correr, chegou aos portais do Padre João. O velho cura estava em seu quarto lendo o breviário, quando foi chamado pelo sacristão. Foi ver o acontecera. O pobre Pedrinho lhe contara então o sucedido. O padre lhe deu pousada por aquela noite, e, no outro dia, toda a vila estava ainda assustada.

Era domingo, após a prática da missa paroquial, o bondoso cura explicou aos seus ouvintes o que sucedera, dizendo-lhes que, fora um ataque muito forte que o Pedrinho tivera.

Mesmo assim, por vários dias, muitos duvidaram que o Pedrinho fosse vivente.

Ainda hoje, em nossos dias, contemplamos inúmeras pessoas crentes em superstições!

Qual o motivo desse pânico?

Foi porque naquele povoado não havia uma pessoa que raciocinasse um pouco: que tivesse um certo preparo.

Hoje bem raros são esses casos de se supor que faleceu um pobre qualquer, pois, graças aos progressos da ciência médica, há meios de se atestar um óbito.

Devemos temer as más línguas dos nossos inimigos e dos assaltantes, porque, os que morrem de fato não mais voltam a este mundo para nos amedrontar.

Editor: Diamantino
Fernandes Trindade

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