Dr. Mirabelli 

As explorações do Espiritismo

A Gazeta (SP), n. 3085, 18 de maio de 1916

Recebemos hoje a seguinte carta Recebemos hoje a seguinte carta que trazemos a público a título de curiosidade.

Senhor Redator: – Tendo lido na edição de ontem na sua folha a notícia “No mundo dos mistérios” em que se relata a magicaturas do Sr. Mirabelli, que tem embasbacado os povos desta muito ilustrada capital, venho respeitosamente pedir a vós que se digne de publicar as seguintes considerações que, a esse respeito, ocorrem a um leitor habitual de A Gazeta:

Depois de contar o que o homem ficou nu diante da assistência e foi minuciosamente examinado pelo Barão Ergonte (Múcio Teixeira), das sete primeiras palmeiras do mangue, conta o articulista que o Senhor Mirabelli fez uma lousa dançar, derrubou caixas de papelão com o olhar, tocou campainha sem pôr o dedo na mesma e ainda maravilhou os assistentes com outras mirabolâncias, acabando pela experiência do “copo inquebrável”.

Eu mesmo, Senhor redator, já tenho ouvido coisas mais incríveis. Já me contaram, por exemplo, que o Senhor Mirabelli, quando empregado em uma casa de calçados, fazia as caixas descerem das prateleiras a um simples olhar seu. Imagine só que boniteza, servir a freguesia sem precisar subir escadas!

Soube também que o Senhor Mirabelli é homem de muito pouco comer, tanto que só se alimenta de bolachas. Ora, Senhor Redator, este negócio de bolachas, combinado com a outra história do copo inquebrável, está me dando seriamente o que pensar, pois, apesar de um pouco avançado em anos, ainda me interesso pela solução dos grandes problemas.

Tomo, pois, a liberdade de perguntar, sem ofensa a ninguém: – Não se tratará aqui de um reclame (propaganda) de copos inquebráveis e bolachas?

Mas o Senhor Redator bem vê que não foi para dizer estas futilidades que pedi agasalho em seu jornal.

Efetivamente o que mais desejo salientar é o que se segue: Conclui o noticiarista acrescentando que o Senhor Mirabelli é nada menos do que “uma das mais perfeitas organizações espíritas”. Ora, com todo respeito de que sou capaz, e com perdão da má palavra, eu pergunto muito humildemente o que é que tem o Espiritismo com as calças.

A base do Espiritismo, se não me engano, é a metempsicose (É é o termo genérico para transmigração ou teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro, seja este do mesmo tipo de ser vivo ou não. Essa crença não se restringe à reencarnação humana, mas abrange a possibilidade de a alma humana encarnar em animais ou vegetais), isto é a desencarnação é consequente reencarnação dos espíritos, como dizem os infelizes afetados por aquela doença.

Por mais que procure, não percebo em que é que essa história toda de lousa, caixas de papelão, campainha etc., pode ter relação com a metempsicose. Na minha terra, havia um vendeiro, que sabia transformar água em vinho: mas ninguém dizia que ele era espírita, embora gostasse um pouco do “espírito” da branquinha.

Em todo o caso, o Senhor Redator prestaria incalculável serviço à minha ignorância, esclarecendo-me a esse respeito.

Se, como suponho, foi por mera inadvertência que o noticiarista aludiu ao Espiritismo a propósito do Senhor Mirabelli, ainda assim não é descabida a minha carta, pois, como bem compreende o Senhor Redator, a notícia do seu jornal poderia dar margem a exploração por parte de uma seita, o Espiritismo, que tem espalhado prodigamente a loucura em nossas cidades, com a cumplicidade de alguns jornais, cujos redatores com toda certeza, ainda não sabem que, na opinião do muito ilustre Dr. Franco da Rocha, diretor do Hospício de Juqueri, todo médium é maluco.

Por aqui fico Senhor Redator, esperando que V. S. não leve a mal estas despretensiosas palavras, com as quais viso por a sociedade paulista, a redação da A Gazeta e o próprio Senhor Mirabelli em guarda contra as explorações do Espiritismo.

 

Editor: Diamantino
Fernandes Trindade

 

 

Veja também: O Professor Mirabelli

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